sexta-feira, 23 de março de 2012

Novelinha - Parte 1/2

Não tive fôlego suficiente para ficar te esperando, ainda mais que já estava esfriando e ficar na porta do seu apartamento até o amanhecer não seria meu plano, a não ser que eu pudesse entrar nele. Não tive ar para me comportar como a-doce-menina-que-entende-todas-as-suas-manhas e desculpar seus deslizes infantis pela décima oitava vez - a "menina" não era eu? - fiquei chateada demais pra entender seu atraso estendido, que foi noite a dentro e o melhor, sem aviso prévio. Te esperei demais e as nuvens já cobrem o céu e todas as estrelas. Nem a noite bonita ficou pra te esperar.

Vai ver você tá num desses bares-café beijando mais uma garota, fingindo que eu não existo - pelo menos até a próxima cena da novela. Sim, porque a nossa história é uma daquelas novelinhas complicadas do tipo Malhação da Globo, que estende o caso do mocinho e da mocinha, onde eles vão e voltam, e no meio, sempre acontecem coisas inexplicavelmente bobas para separá-los. Tive raiva de tudo e saí por aí querendo não te encontrar. Pedi alguma coisa pra beber no primeiro bar que entrei.

"_Vai ver é só um dia ruim, garota." Alguém com uma mão estendida no meu ombro me falou, era um rapaz desconhecido com cara de conhecido, sorriso fácil e meio torto. Não identifiquei nem a voz e nem o rapaz, a essa altura da madrugada, eu já tinha bebido demais, mas ele bem sabia quem eu era. Disse meu nome e me prometeu deixar em casa, estava de carro ele dizia - é que tomei um porre daqueles que a gente esquece tudo e só lembra do lugar onde mora. Pois bem, ele me deixou em casa logo. Falava que aquele bar onde me encontrou não era lugar pra mim, que eu bebi demais, que estava sozinha, que nunca tinha me visto em tal estado e perguntou se eu precisava de ajuda pra subir. Não me lembro que tenha respondido, mas ele me segurou pela cintura assim mesmo e me levou até o meu apartamento.

Ao encaixar a chave na porta, ainda equilibrada pelas mãos do tal rapaz na minha cintura, olhei bem pra ele e comecei a me lembrar quem ele era, o meu vizinho de cima. Acho que depois de lembrar disso pedi desculpas pelo incômodo ou sei lá. Rimos os dois. 

"_Nunca te vi assim, o que aconteceu?" Ele proferia a pergunta enquanto eu conseguia abrir a porta com o pé direito. Quase caímos os dois. E depois de mais algumas risadas inevitáveis reparei no seu cheiro de banho tomado, no seu sorriso meio torto e nos seus olhos que eram castanhos - nunca tinha reparado bem. Que vergonha, eu pensava, enquanto reparava detalhes dele que em mais de um ano de vizinhança nunca tinha percebido, talvez porque estava apaixonada. E não é que agora deixei de estar, só que a bebedeira me fez esquecer disso naquele instante.

"_Sei lá. Resolvi beber e deu nisso. Nunca bebi na vida, esse é meu primeiro porre e pra nunca mais. Homem nenhum vai me fazer beber assim de novo, viu." Eu continuava a tentativa de diálogo dele com uma iniciante em porres. 

Mas logo nessa noite, ele foi me encontrar, nunca estivemos nos mesmos lugares, a não ser é claro no hall de entrada do condomínio, não estudamos na mesma faculdade, não temos amigos em comum - não que eu me lembre agora, ainda pendurada em seu ombro - , e que eu saiba ele não curte baladas e bebidas, somos parecidos. 

Mas eu só reparei nisso pela manhã, fazendo uma retrospectiva. Lembrei que tinha esquecido o que aconteceu depois que abri a porta do meu apartamento ontem. Pois é, só lembrei de tudo até aí. Não sei nem se ele me disse seu nome, se foi ele quem me deitou na cama e fechou a porta ou se eu consegui me equilibrar sozinha- Meu Deus, eu fechei a porta? - , eu nem troquei de roupa, preciso de um banho.

Com rubor na face, depois de conseguir me organizar, era manhã de sábado e resolvi ficar em casa. Não tinha muito o que fazer, tomar banho e tentar lembrar de ontem, assistir dvd e tentar lembra de ontem, comer alguma coisa e tentar lembrar de ontem, correr na esteira e tentar lembra de ontem - ou esquecer. Não conseguia me concentrar, como pode, logo eu que nunca bebi mais do que coca-cola gelada, como pude passar por aquela cena de ontem com sei lá quem, acho que ele não me disse o nome - espero que não - , tudo por causa de um namorado sem noção e uma bebedeira na hora errada.

Troquei de roupa, desci até o hall, ainda com cara de sono e falei com o porteiro. 
"_O nome dele é Théo. Um bom rapaz. Vi quando ele trouxe a senhora. A senhora está bem? Nunca tinha visto a senho..." 
"_Tudo bem Sr. Vítor. Era só isso que eu queria saber, estou bem, obrigada." Completei a frase humildemente agradecida pela preocupação do Sr. Vítor e subi rapidamente, mas daí desci de novo e perguntei se o tal rapaz já tinha saído, ele me disse que não.

Resolvi voltar ao meu apartamento, coloquei uma roupa melhor do que short e camiseta de malha, coloquei um brilho nos lábios, um pouco de perfume, um rímel de leve, uma sapatilha clara. Prendi os cabelos como sempre, tomei coragem e bati na porta do vizinho (...)


Continue lendo: "Novelinha - Parte 2/2"

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